sexta-feira, 2 de setembro de 2011

QUANDO UM DIPLOMA PENSA POR MIM






A obra "Triste Fim de Policarpo Quaresma" traz uma arraigada crítica ao Academicismo, prática tão consolidada na sociedade brasileira. Dentro dessa, o poder do conhecimento está nas mãos daquele que é dotado de um título; o próprio diploma. Nas salas de aula, essa postura é evidente, revelando um péssimo "hábito" dos estudantes e, em determinados casos, até mesmo de professores. Isto provavelmente gerará péssimas consequencias para a vida do aluno e da sociedade como um todo.


Em "Policarpo", o personagem que dá título à obra tenta, na primeira parte do livro, entender a realidade brasileira através dos livros, o que vem a fazer com que ele receba críticas por parte da vizinhança pelo fato de esta crer que só pode possuir livros aquele que tem um status acadêmico. É uma realidade que se mostra clara nas escolas. Observa-se que, muitas vezes, as ideias de um aluno são triplamente questionadas pelos alunos do que aquelas apresentadas por um professor. Em muitas discussões entre estudantes sobre as respostas corretas das provas realizadas, anteriores à divulgação de gabaritos, os argumentos apresentados pelo autor deste texto, por mais lógicos que pudessem ser, muitas vezes, eram vistos ainda com uma leve desconfiança, pois sempre se pensa no aluno como alguém que "sabe menos". Ou, em variados casos, nem se presta muita atenção à constituição deles (dos argumentos), já que "o que vale mesmo é a palavra do professor".


Uma vez, o autor deste texto tentava explicar a uma companheira de classe porque a resposta dela não poderia estar certa. A discussão foi longa e ela relutava em aceitar a explicação, apresentando contra-argumentos que não tinham muita conexão em relação ao que ele apresentava, até ignorando o ele que defendia. Ela parecia estar mais interessada em provar que aquilo que ela marcou era o correto, não se atendo à validade do que lhe era apresentado. Entrentanto, provavelmente, se a professora da matéria, ao corrigir a prova, dissesse o mesmo que o aluno dissera, com as mesmas palavras, ela não replicaria uma palavra sequer, como o que efetivamente ocorre na maioria das vezes.


Em outra ocasião, ainda o autor deste texto socializava em sala uma análise de teor psicológico das ações. O professor se voltou para ele e disse: deixa eu te fazer uma pergunta; você lê livros de autoajuda? (causando risos em classe). E, então vem o questionamento: por que primeiramente se pensa que um pensamento "inovador" vindo de um aluno tenha que ser oriundo de algum outro lugar? O aluno não pode pensar por si só analisando as experiências de vida observadas? Ou ainda: por que o que ele pensa não pode vir de um material consistente? Querendo ou não, ou preconceito escapou e se manifestou na pergunta daquele professor.


Nos exemplos abordados, sempre se põe o aluno (desprovido de um título acadêmico) em uma posição inferior à do professor. É evidente que no caso da estudante mencionada, há outros fatores que explicam seu comportamento. Contudo, o orgulho possivelmente é o que essencialmente embasa o pensamento que justifica essa aquela forma de se comportar: como posso aceitar que um aluno possa dizer o que é certo ou o que é errado?


Se levado em conta que a maneira como o espaço está organizado é justamente a percepção de mundo que os indivíduos tem, vê-se na própria postura física das salas de aula a ideologia discutida neste texto. As cadeiras, enfileiradas, estão todas sob uma mesma altura - os estudantes, estão todos no mesmo nível. Àcima dessa altura, de pé - o professor olha de cima para baixo, onde estão os alunos, e os alunos, debaixo (onde estão) para cima, onde está o mestre, na frente de todos. Essa disposição espacial até dificulta que um aluno que esteja na parte traseira do ambiente seja visualizado ao apresentar uma ideia. Ou seja, a manifestação fica espacialmente comprometida.


Essa situação não deixa de ser uma herança dos tempos de ditadura. Afinal, os termos da educação (grade curricular, disciplinas, leitura obrigatória), a forma como estão organizadas as cadeiras e mesas (sistema militar) remontam a esse episódio da História que deixa marcas na atualidade.


A inquestionabilidade está imersa nas formas de convivência de um grupo militar; o dito pelo tenente é e pronto - o que pode ser até uma confusão entre respeito e submissão. Além do mais, matérias como Filosofia e Sociologia, âmbitos em que se costuma questionar os tipos de governo, foram retiradas do curríiculo, acostumando os alunos ao não questionamento. Estes, imersos na educação tecnicista, isto é, aquela que visava formar gente para o mercado de trabalho, tinham que memorizar detalhes como, por exemplo, o nome dos pontos mais altos do Brasil, ou os mais extremos em termos de norte-sul e leste-oeste, de modo a não articular o conhecimento absorvido.


Isso gerou muitas pessoas não donas de seu próprio pensamento. Não deviam questionar nada, afinal, a verdade estava com o governo militar e este sabia o que era melhor para todos - um discurso repleto dos fatores que constituem a ideologia (lacuna, inversão, universalização, abstração e naturalização). Foram essas pessoas que deram origem e criaram a geração atual de jovens, com base nos valores que aprenderam.


A própria história do pensamento como um todo no Brasil reforça essa ideia; a criação de uma faculdade no Brasil aconteceu apenas com a chegada da família real portuguesa, em 1808. Enquanto isso, a UNAM (Universidad Autónoma de México), fora construída em 1551. Isso inviabilizava a construção de um pensar dono do seu próprio pensamento na nação brasileira.


No século XIX, a preguiça como característica principal do brasileiro era um consenso entre todos os viajantes que por aqui passavam na época. Esse modo de ser abarca inclusive o de articular o pensamento, o que requer uma postura ativa, uma atividade, o que, geralmente, os preguiçosos detestam.


Esse quadro acabou criando pessoas passivas diante do conhecimento e, portanto, das situações adversas. Uma professora espanhola uma vez caracterizou ao autor deste texto o perfil do brasileiro como "diplomático por natureza", nas palavras dela. Debater e questionar são tarefas que envolvem divergências, desconstruções e, portanto, um conflito. Como o brasileiro evita ao máximo o conflito - inicialmente, um povo acostumado a compor a periferia (leia-se a periferia econômica como uma economia complementar à de Portugal) e lidar com as adversidades da vida com base na malandragem*, evitando a briga, ele acaba por tentar sempre se distanciar de tarefas afins. A concepção de por em xeque o argumento de um acadêmico está geralmente atrelado a desprezar tudo que ele pesquisou, elaborou... É entendida até como uma própria objeção à pessoa dele.


Não obstante, por mais influente que seja a história e a construção da cultura nas ações de uma pessoa, os indivíduos também são responsáveis por suas atitudes. Pensar é uma atitude e fica a cargo desses indivíduos tentar exercê-la ou não. Se isto não for feito, a manutenção da ordem vigente será realmente um destino para sempre. Isto é, se não se é dono do próprio pensamento, alguém será... Desse modo, uma massa de manobra sempre será uma realidade; um grupo manipulável de pessoas.


É a postura não questionadora que leva, por exemplo, dentre outros fatores, a anos de repressão governamental, a uma corrupção generalizada, a uma enganação constante, até a uma situação de infelicidade. Todos os aspectos por uma percepção afetada por parte dos indivíduos, os quais acabam se tornando distraídos demais.


É por ela que os brasileiros não são engajados socialmente, logo, são roubados todos os dias e se manifestam a respeito.


Para mudar essa situação é preciso primeiro que se deixe a preguiça tanto mental quanto física de lado, o que requer vontade do indivíduo. Sem vontade, nada feito. O estímulo da sociedade é fundamental, principalmente pela instituição escolar, uma dos mais importantes. No momento reservado para análises, o professor deve lançar mais questionamentos do que verdades, visando a estimular a resposta do aluno, ajudando-o a embasar sua resposta com base na articulação do que ele sabe e do que outros companheiros sabem também e apresentar outras informações que possam descontruir essa ideia, mas nunca antepondo sua visão sobre a ideia em questão de modo a subordinar as respostas dos alunos a ela ou tentar adequá-las a ela... Podendo renovar também seu próprio pensar.


Exames com questões que exijam o pensar um pouco mais, como os da FUVEST, por exemplo, e temas abstratos e provocadores como os da UEL; propagandas televisivas como as do Futura e o hábito de lançar questionamentos aos finais de emissões televisivas são fatos e medidas factíveis que contribuem para a transformação social, pois mudam a percepção dos indivíduos e provavelmente, por consequência, suas ações. Enfim, cabe à cada setor estimular a saída da menoridade enunciada por Imanuel Kant, ou seja, a postura passiva diante do saber e do agir, de modo a motivar a pensar sempre, a não se contentar com o que se sabe. Porém, é preciso frisar que se não houver vontade de sair da caverna, permanecer-se-á nela por muito tempo... Sem ter direito de culpar a ninguém por isso.




*Não se está justificando a postura brasileira diante dos fatos

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