
Nas décadas que precederam a Revolução Francesa, a crença máxima na Razão como elemento que resolveria os problemas do indivíduo e da sociedade se tornara uma lei na intelectualidade. Essa maneira de ve-la foi uma tendencia que foi gradativamente aguçada com o passar do tempo e do desenvolvimento científico. Mas, no final do século XIX, com a Paz Armada, e primeira metade do século XX, através das duas guerras mundiais, o homem destruiu esse cenário de otimismo, revelando ao mundo que o que determinaria o destino da humanidade não seria o conhecimento e sim o que se faria dele. Foi nessa atmosfera que o Pessimismo atingiu seu ápice e tentar, diante de toda essa realidade, ver o mundo com outros olhos se tornaria um exercício de muita abstração.
Essa forma de ver a realidade continua encontrando muitos argumentos válidos para sua sustentação, como os ataques de 11 de setembro; o possuir armamento nuclear como método de ameaçar outras nações para subordiná-las a seus interesses (uma mostra da vulnerabilidade das relações diplomáticas, levando sempre em conta a impossibilidade de resolução diplomática das divergencias de interesses); uma nova Paz Armada (o Irã que enriquece uranio com o objetivo de varrer Israel do mapa); os islamicos do Al Shebab, que barram a ajuda humanitária que chega até a Somália, enquanto somalis morrem às dezenas e dezenas todos os dias por consequencias da desnutrição; autoridades políticas que sustentam esquemas de tráfico de drogas, prostituição e corrupção; regiões cujo fornecimento de água é "esquecido" - como mostrado no interior do Nordeste, pelo Jornal Nacional da última sexta-feira. No caso da Guerra do Iraque, Estados Unidos atestam para o risco à segurança mundial da existencia de armas nucleares no Iraque, a ONU nega, inspecionando exaustivamente o lugar. Nada é encontrado. Mesmo assim, os EUA priorizam a defesa da "segurança mundial" e invadem a região. Ve-se na ONU um papel de justiça, como aquela que tentou seguir os princípios de criação da ONU. Na verdade, o Iraque vendia petróleo à França, Alemanha e Inglaterra por preços mais baixos e tinha acordos comerciais com estes. Então, cai por terra a defesa da integridade dos princípios das Nações "Unidas". Frente a essa situação, tem-se a ideia de que a verdade é que todos agem por interesse economico e que tudo se compõe essencialmente de fatores negativos.
Nomes de peso como Arthur Schopenhauer e os pensadores da Escola de Frankfurt tendiam a ver a realidade desse modo. Para Schopenhauer, o sentido da vida, por exemplo, não existia, o que, no ser humano, geraria uma angústia, a qual se prolongaria por toda a vida, desencadeando o que hoje é chamado de Depressão. O homem passaria buscando um algo que nunca encontraria. Frankfurt via a mercantilização da cultura como um meio de alienação e disseminação de ideologias, uma visão da realidade tendo ela como tirana, pois um grupo esconderia uma verdade de uma massa, constituindo-se sociologicamente a lacuna, no intuito de convence-la a modificar sua vida em função dos interesses desse grupo, uma extensão da teoria marxista da realidade (A Ideologia Alemã).
Entretanto, ver o mundo dessa forma é reduzi-lo a apenas uma característica. Essa redução foi o que se tentou fazer no início da Filosofia, com o os chamados filósofos pré-socráticos. Ao "se libertar dos mitos", Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito e outros viam a realidade tão diversificada e pensavam que no princípio deveria existir um algo que dava origem a tudo. Foi assim que Tales atribuiu à água o princípio do todo. Anaximandro; o indeterminado. Anaxímenes; os quatro elementos. Demócrito; o átomo. Do ponto de vista da Ciencia contemporanea, estavam quase todos errados, à exceção de Demócrito e Anaxímenes, que mais se aproximam do saber científico atual. Os dois rumaram para origens abstratas, fora do alcance da percepção humana de até então.
Atribuir um fator negativo a tudo é fazer como os mencionados filósofos realizaram, reduzir. Pode-se dizer que o que eles idealizaram era algo palpável demais, relativamente mais fácil de observar, uma criticidade que dá menos trabalho. No caso da realidade, ver a negatividade compreende uma tarefa mais crítica, que requer ver mais além do que os fatos mostram mais superficialmente. Contudo, ver apenas o negativo significa desprezar o que de positivo existe. E, então, vem a pergunta: existe o positivo?
Se for considerado que a realidade é uma só e funciona relativamente da mesma forma, seja no ambito natural quanto no humano, existem os dois elementos. Uma reação química dificilmente acontece numa direção só. Ela geralmente é reversível e, mais do que isso, encontra-se em equilíbrio dinamico, acontecendo, portanto, nos dois sentidos, havendo tanto reagentes, quanto produtos no mesmo espaço. Se feito um paralelo entre os elementos positivos e negativos da vida humana e suas relações sociais e a Química, não é muito diferente. Um indivíduo não é sempre bom. Ele comete atos considerados característicos de uma pessoa ruim, mesmo que por acidente ou intencionalmente, não necessariamente sendo alguém maquiavélico. Um ser humano não diz sempre a verdade. Ele também mente. Se analisada a realidade nesse sentido, tudo está presente em tudo. O mau existe no bom, que existe no mau, que existe numa transição entre os dois, constituindo um terceiro modo. Então, simplificada e matematicamente falando, escolher apenas um deles para caracterizar o todo, é excluir 66,6% do total, o que mostra que a realidade é bem mais do que se escolheu.
Pode-se dizer que, de fato existe o positivo, mas que, segundo a observação da experiencia de vida, tudo tende para o negativo. De qualquer forma, está-se atribuindo uma característica única à realidade (os pré-socráticos, ao tentar faze-lo, falharam), sendo que ela é complexa e ampla, envolvendo vários elementos, como um Equilíbrio Químico. No caso das relações humanas, não levar o que há de positivo em conta, por mais ínfimo que seja, é, de certo modo, desestimulá-lo, ensinando-se (mesmo que implicitamente - o que geralmente ocorre) que aquilo que receberá atenção é sempre o negativo.
Além do mais, o indivíduo corre o risco de internalizar esse princípio, caindo num longo tédio, até mesmo existencial, como dos escritores do "Mal do Século", a segunda fase do Romantismo brasileiro. E é neste ponto que mora o perigo; se ele não está bem consigo, o que é que vai oferecer à sociedade? Habituar-se ao negativo pode levar à inércia social, isto é, ao não fazer nada para mudar a ordem vigente, tendo como justificativa que tudo sempre foi ruim por natureza e sempre será.
Primeiro de tudo, se a postura não faz bem ao indivíduo, o que inviabiliza sua melhor contribuição social, ele deve mudá-la, fazer um esforço para enxergar outras perspectivas. Elas existem. Se ela não inviabiliza a contribuição social, provavelmente é um indício de que está bem dosada. Afinal, realmente tudo pende para um lado, por mais que não caia totalmente neste. No Equilíbrio Químico, em geral, há uma maior quantidade de reagentes ou de produtos, por mais que os dois estejam presentes. Quando ao magnetismo da Terra, diz-se que ela é levemente mais negativa do que positiva, por mais que haja uma enorme quantidade de cargas positivas.
Outro fator a ser levado em conta é que a ideia de que tudo é ruim e sempre será pode ser uma ideologia com o intuito de desestimular os indivíduos a tentarem mudar a disposição da realidade. Cabe ao ser a análise dessa e de outras múltiplas possibilidades. O filósofo Karl Popper sugere em sua Teoria do Conhecimento que o indivíduo ao tentar confirmar uma teoria, deve começar tentando encontrar argumentos que a refutem.
Quanto à inanição, o próprio Schopenhauer enuncia que por mais que a vida seja desprovida de sentido, a pessoa deve ser ética, isto é, fazer o esforço para fazer o bem pela sociedade. Vem a dúvida: que estímulo se tem para fazer o bem quando não se reconhece adequadamente o esforço? Vem a réplica: O que é que se espera ao fazer o bem?
Aquele que se preocupar se a sua visão está mais distante ou próxima da realidade deve levar em conta o conceito de "Coisa Para Nós" do filósofo Emanuel Kant. Para ele, a realidade em si, o numenon, jamais pode ser conhecida, pois extrapola os limites da compreensão humana e de sua experiencia e a razão está limitada ao que a experiencia pode oferecer. A mente do homem seria como um sistema digestório. Tudo que vem de fora para dentro será "digerido" de acordo com as experiencias vividas pela pessoa e sua personalidade, o que não corresponde à totalidade do que existe fora dela. Em uma passagem de "A Cidade e as Serras" ve-se a notável influencia do estilo de vida e da história da pessoa na sua forma de ver o mundo, confirmando o teorizado por Kant: "(...) o bom Schopenhauer formula todo o seu schopenhauerismo, quando é um filósofo sem editor, e um professor sem discípulos (...)". Os escritores da segunda-geração do Romantismo, os do "Mal do Século" tinham vidas fracassadas, vide o que escreveram. O mesmo vale para o otimista compreender até que ponto sua experiencia está obstruindo sua forma de enxergar o todo.
É um fato que a visão que se tem de mundo está fortemente atrelada à experiencia de vida. De qualquer forma, é obrigação do indivíduo analisar no que essa experiencia influencia na sua forma de perceber o total, até onde ela inviabiliza uma percepção mais ampla, que pessoas com outras experiencias foram capazes de perceber. No meio de toda essa busca, Nietzche intervem, perguntando: para que a verdade? Há múltiplas tentativas de resposta. Talvez realmente seja "a verdade" um meio de preencher um vazio provocado pela ausencia de sentido da vida... Ou quiçá, não seja nem ela o preenchimento e, sim, o caminho de chegada até ela. Ela é apenas um momento, um ponto entre a síntese e uma nova tese. É no trajeto que se encontra o fluxo... Que se encontram as transformações da vida. Aderir a ele, é nada mais, portanto, do que simplesmente viver.
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