A nova versão cinematográfica de "Capitães da Areia", atualmente em cartaz Brasil adentro, representa o papel das artes visuais que qualquer outra forma de representação artística desempenha na sociedade; o de provocar sensações, além, é claro, no caso específico dessa obra, o de aproximar a sociedade dos clássicos literários. Muitas vezes, a linguagem literária, por ser mais complexa, acaba impedindo a visualização de seu conteúdo por parte do indivíduo e sua provocação nele, servindo o filme como uma luva para o objetivo da arte, o de provocação.
Entretanto, alguns problemas apresentados pelo filme refletem uma certa deficiência no cinema brasileiro, o que não se justifica apenas com menos verba para produção, dado que filmes como "Tropa de Elite", "Cidade de Deus" e "Central do Brasil" apresentam altíssima qualidade e também se enquadram em um orçamento pequeno, quando comparado às produções norte-americanas. Um exemplo da deficiência mostrada é a questão da caracterização dos personagens. Em muitas situações, eles aparecem com unhas limpas, o que é contraditório com a realidade da rua e da cidade de Salvador dos anos 30. A direção de prosódia também se mostrou bastante problemática, visto que muitos atores deixaram transparecer seu sotaque carioca e poucos pareciam falar como soteropolitanos.
A questão da fala se mostrou complicada também quando, em várias cenas, notava-se uma pronúncia num nível de correção que não corresponde à vida suburbana ou periférica.
A direção do filme pecou ao deixar ir ao ar cenas em que se vê falas muito "marcadas". Isto é, ficou evidente, por exemplo, numa cena de conversa entre os meninos, que se tratava de uma ficção, que eles eram atores e estavam representando uma conversa, pois as falas se mostravam pausadamente artificiais.
Alguns detalhes chamam a atenção, como a mudança no filme de características físicas de algumas personagens; Dora, na obra de Jorge Amado, é apresentada como loira e no filme aparece morena. O mesmo caso é o de Gato, que no livro é loiro, de olhos claros, e no cinema é mostrado negro. Por sinal, o ator que o interpreta o traz de uma maneira até inocente e, portanto, de forma incoerente com o "malandro conquistador" que é apresentado no livro. A incoerência também se mostra quanto à atuação de Jean Luis Amorim, o intérprete de Pedro Bala, que não consegue transparecer a liderança e a consistência da personalidade da personagem, a qual demonstrar um certo ar de "manhoso" - é a impressão que tive.
A versão cinematográfica do clássico de Jorge Amado, talvez pela limitação do tempo, não consegue apresentar a grandeza de algumas cenas da obra; como a do carrossel - fundamental para a compreensão do que há por trás dos capitães - e de cenas como as em que Dora aparece. No livro, ela é mostrada como uma verdadeira mãe para os capitães, de forma grandiosa, com um carinho que repercute em todos, o que não ocorre no filme, no qual a ênfase maior é no "triângulo amoroso" entre ela, professor e Pedro Bala. O pânico da "bexiga" também se viu limitado no filme, o que mostra a importância dos detalhes na literatura para dar a dimensão da cena para o leitor.
A trilha sonora é um ponto a favor da produção, moderna e provocativa, a qual me deixou sensibilizado no início do filme ao recordar o futuro de Dora, a morte. As versões mixadas e contemporâneas de músicas bahianas envolvem e agradam o telespectador.
O logotipo que aparece no fim do filme também atesta para um detalhe que faz toda a diferença: aparece sublinhado o termo "da", reforçando que são capitães "da areia" e não "de areia", que são coisas bastante diferentes.
Um detalhe importante a ser observado é a contraditoriedade que constitui os seres humanos. No filme e no livro, determinadas cenas emocionam o leitor (o espectador também é um leitor), como, por exemplo, a cena em que Pedro Bala retorna da delegacia com um elemento que havia sido apreendido do terreiro. Isto é, o leitor se emociona com a ficção, mas, perante a realidade, a dos meninos moradores de rua, geralmente apresenta indiferença. Pela reflexão causada, valeu à pena a produção do filme e o que espero é que seja um sucesso de bilheteria, de modo a estimular a produção cinematográfica de outros clássicos da literatura brasileira e mundial.
The new cinematographic version of Capitães da Areia reflects the art role in the society, to cause a sensation and, in this case, to approach the spectator to literature classics. In general, the literature langue is more complex, blocking a consistent understanding of the content and in consequence of this not causing him/her a provocation.
Nevertheless, some problems shown in the movie sign weaknesses the Brazilian cinema has, something that is not exactly justified just by an economic question... As we can see, there are some movies from Brazil that were excellent productions such as Tropa de Elite, Central do Brasil and Cidade de Deus, someones which had little budgets in comparison to North American productions. An example of a problem the film had is the costume and appearance in general about the characters... The Capitães had clean nails, something that is inconsistent to the place, the time (thirties) and to the style of life they have (living on the street). The prosody direction was really problematic; during so many times, it is possible to realize Rio de Janeiro accents, despite the fact that the characters and the scenary is Salvador, Bahia. In most part of the cases, the accents were from Rio de Janeiro and did not seem to be from Bahia.
Other problem related to the language we can see is that the pronunciation of the words, some times, is too correct in comparison to a real suburbain way of talking.
The direction permitted that scenes that made the spectator see an amateur way of acting went on air. In a boys talking, it was possible to observe it was a fiction and that the boys were acting, something unnatural, the speaking were very paused.
The movie, an adaptation from the book, shows some interesting details; Dora, in Jorge Amado book, is a blond girl and in the movie she is brunette. Beyond this, Gato, in the book is presented as a light-eyed blond boy. In the movie, he is dark-skinned. The actor who interpretates him does it in a naive way e, then, inconsistent to the personality the book presents, someone who is smart, wooed... This kind of insconsistency happens to the interpretation of Pedro Bala. Jean Luis Amorim does not acchieve the leadership characteristic the role requires. The impression I had about him is that the way he interpretated the character signed to a sly boy.
The cinematographic version from the Jorge Amado classic, maybe because of the time limit, does not reach the epic style from some scenes like the one the boys are on the carousel. Or the mother way Dora should have shown. In the book, the she takes care of almost everybody... But in the movie, the focus is on the love triangle compound by Dora, Pedro Bala and Professor. The panic came from the bexiga (the way of people from Bahia in that time) is not so evident in the film and it shows the importance of the details in the literature to make possible to get a sense of a scene.
The soundtrack is a positive point from this cinema production, it was instigator... Something that made me almost cry, remembering of end of Dora. The mixed and remixed version of songs from Bahia involve and give energy to the spectator.
The logo that is shown in the end of the film shows an little and very important detail: the term "da" (of the) sand instead of "de" (of) sand is underlined, emphasizing the fact they are leaders from the sand and possibly not made by it (a weak conjunct of grains)...
An important detail that we can observe is the paradoxality that compounds the humans. In both cases of the movie and the film, some scenes get the reader (the spectator is also a reader) emotioned, as, for example, the scene when Pedro Bala comes back from the police whit a religious object sized by the policemen and he is congratulated and hugged by all the members of the group of the Capitães da Areia.
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