segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

CISNE NEGRO: TOC GRACIOSO

Foto de "Cisne Negro".
« Cisne Negro » é intensidade. De fato foi o filme que mais me impressionou até hoje. O grau de provocação que esta produção é capaz de produzir é impressionante.
A maneira como as cenas são mostradas já demonstra uma tendência dos filmes da contemporaneidade; a câmera documental. Para dar uma maior sensação de realidade, recorre-se a esse meio. O resultado da aplicação desse recurso no filme: uma constante sensação de desespero.
A separação dos dedos com seu intenso barulho, o sangue de quando Nina arranca um pedaço da epiderme de um dos dedos e a agressividade que suas feridas transparecem lembraram-me de Augusto dos Anjos.  O autor, pré-modernista, recorria a elementos que causam nojo no ser humano para refletir sobre suas atitudes e o que de fato a humanidade significava para ele.
Lembrei-me também de Clarice Lispector; modernista que sempre se dispunha de cenas simples e corriqueiras para falar das emoções e podres humanos. Estas lembranças ocorreram porque os arranhões, por exemplo, que Nina fazia em si mesma tinham um aspecto amedrontador, apesar de serem "apenas" arranhões... São ferimentos que, apesar de não tão horripilantes assim, causam tremendo espanto e demonstram o perturbado estado de espírito em que a personagem se encontra.
Numa locadora em São Paulo, na qual perguntei à atendente sobre o filme – eu pretendia assisti-lo com minhas primas, sendo que uma delas tem nove anos, ela me desaconselhou a levar, dizendo o seguinte: “é muito forte... A mulher é ‘mó’ perturbada... Ela se masturba (...)”. Ora, se ela quis construir uma relação de causa entre as duas coisas (ser perturbada pelo fato de se masturbar), pode estar profundamente enganada, dado que essa é uma prática natural na maior parte dos seres humanos. É lidar com o corpo e descobri-lo. Contudo, a masturbação da personagem é diferente. Ela demonstra estar bloqueada de medo, de receio em se tocar, de culpa, como se estivesse fazendo algo errado.
Revelar o que há por trás da beleza é algo importante numa sociedade que a cultua. Daí a imensa importância desse filme. O balé e as danças como um todo sempre nos trazem essa concepção de leveza e perfeição... Em “Cisne Negro”, percebe-se a respiração das personagens quando elas dançam. Elas respiram de modo intenso, o que raramente é perceptível numa apresentação ao vivo, já que a música, dentre outros fatores, ofusca esse detalhe.
Além do cansaço e do esforço produzidos por essa terna dança, através da personagem de Natalie Portman, percebe-se o inferno em que a vida pessoal dessas produções se transforma. Os graciosos movimentos ocultam a dor e os problemas em que os bailarinos se encontram. Mostra-se brilhantemente através de uma das falas da mãe numa referência ao personagem Cisne Negro (“filha, este papel está te matando”) até que ponto o homem é capaz de chegar para tentar se realizar. Por que Nina vivia buscava a perfeição? Quando ela aceita sair com a estranha “amiga”, rumo a uma noite de bebidas, sexo e drogas, o que estava buscando a garota? Parecia uma contradição, pois a segunda atitude destoa da imagem de uma menina perfeita.
O que dizer sobre sua esquizofrenia?  É um reflexo do que é a arte? Foi preciso chegar ao máximo de seu estágio para que se enxergasse como um cisne negro no espetáculo?
No bloco final do filme, durante o espetáculo, ela acaba projetando a “amiga”, que quer roubar seu papel, na concepção dela, e a mata. Esconde seu corpo e se sente poderosa. Seu treinador lhe
dissera nos ensaios que a única que lhe poderia tirar de onde estava seria ela mesma. Mais tarde, ao final de um ato, aquela amiga vem até seu camarim para lhe parabenizar. Ela então descobre que era uma projeção o que havia matado. Ela teria matado aquela que a perturbava, a outra de si? No fim da produção, o espectador não quer aceitar uma realidade; a de que, como a personagem que interpretava, Nina se matou. O olhar intenso da mãe em sintonia com o da filha comunicava uma despedida. O telespectador não quer aceitar essa possibilidade. Eu me peguei pensando que, posteriormente, ela iria para o hospital. No entanto, ela diz ao professor: eu consegui sentir. O que conseguiu sentir? A perfeição que buscava? A transformação no cisne? No libreto, o cisne negro se matava. Se ela atingiu a perfeição é porque deixou de ser humana, é porque não podia mais existir.
A função de « Cisne Negro » é levada a sério. A catarse; dar vazão às emoções humanas; fazer-nos sentir as sensações, pois sofremos junto com ela, a dor, a expectativa, a felicidade... Ainda mais se levado em conta o quão consegue-se identificar o espectador com a personagem. Fica a reflexão: Nina não refletiu um pouco do que todos somos? O que buscamos nos levará até onde ela chegou?


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